sexta-feira, 6 de maio de 2011

Da escova e mil e um motivos...

Menina, falavam-me de coisas que não entendia, e ainda assim, duvidando, cumpria em cumprir...

Ao áspero sol das noites do sertão, mesmo com lua, ventava calor, e eu vestia aborrecida a camisola, para que o meu anjo da guarda não deixasse de me visitar, e cumpria o ritual de antes de dormir, não deixar por si nenhuma roupa virada aos avessos, nem sequer as chinelas, que tutelas, poderia invocar uma má sorte.

Desenho de noites sem fim, orar na cama e agradecer a tudo e sem porquê, adormecer nos braços fortes de um deus que me guardava, insone.

Também pela manhã não entendia, tantos outros impossíveis rituais se repetiam, escovar os dentes depois de uma noite vazia, fez-me sentido apenas quando adulta e amante, para o amor de antes, a boca escovada, cheirando a pasta mentolada, alecrim, boca de marfim...

E dos banhos, o que falar? Ao acordar, antes do almoço, antes do jantar, na hora de dormir, de tanto me banhar, obedeci a gostar de água, de chuva, de rio, de mar, de cachoeira, de saliva, de água para lavar.

Desde aí passei a executar tão louco hábito de me banhar, a qualquer hora e em qualquer lugar, cumprindo fisicamente um hábito já há muito acostumado na alma...

Por tempos então venho assustando uma pequena multidão que incompreende a minha vontade de água, de estar limpa, pura, fresca e talvez corrente, com gotas agarradas à pele de formas insistentes.

E com melancólica surpresa, respondo às belezas que maiores que eu mesma, me dilaceram em rituais, como não dormir nua e ser forjada da presença do meu anjo, ou de por sorte tola abnegar a razão e descartar em vão a incerteza do azar, de sandália e roupas contrárias, ou de louças delirantes na pia, a esperar pelo escorregar da água que irradia e limpa.

Não me respondem mulheres, homens, crianças, médicos, dentistas- talvez os artistas- que como eu, cedem ao punhado de ante-escolhas para fazer outras ou se justificar naquelas mesmas perdidas lembranças. Heranças inexoráveis da socialização, da infância não tão perdida e ainda guardada, absorvida.

Donde, sem fim, abnego-me a mim, da escova e dos mil e um motivos... para esfregar dentes, pele, louça e catar nas poças as coisas perdidas e falar palavras inauditas, que nem eu mesmo possa um dia as compreender, flutuantes, naufragadas entre antes e o agora.

Reservo-me à escolha pueril de te dedicar inocentes e frugais palavras...Irney, meu amigo Rosa, em que inspiro e componho minhas pequeninas bobagens... Obrigada por isso!!!!

Nereida